quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Desadolecer

      Sentados naquele café conversavam animadamente. As conversas entre eles nunca eram triviais ou vazias. Sempre cheias de diamantes garimpados, tesouros descobertos. Cada um descobria sobre si, sobre o outro e sobre a relação, jovem e madura ao mesmo tempo. A conversa era entremeada de silêncios. Silêncios esses que ambos compreendiam. Eram iguais nisso, e respeitavam as pausas um do outro. Nesse determinado momento, os silêncios eram meras observações das mesas ao redor. Ambos divertiam-se observando as dinâmicas, os personagens.
      Assim que se sentaram, ela reparou nas duas moças ao seu lado esquerdo, um pouco atrás. Apurou os ouvidos. ‘Piriguetes’ argentinas fazendo a dança da sedução para o seu marido. Ciúmes? Não. Uma leve ponta de orgulho, afinal, ‘não podia culpar as moças por se interessarem por tão interessante exemplar’ sempre pensava nessas situações.
      Logo a frente dela dois rapazes. Perguntou pra ele: ‘ vc acha que são um casal?’ ‘não sei’ respondeu. Durante toda a entrada e o prato principal os dois rapazes à frente não trocaram palavra e não sorriram uma única vez, sequer se olharam. ‘ Acho que são um casal e brigaram’ disse ela. Subitamente, um dos rapazes começou a falar intensamente e gesticular cheio de trejeitos. O outro não abriu a boca, apenas passando a mão na testa duas vezes. A comida dos rapazes chegou, foi ingerida rapidamente e eles saíram sem trocar mais nenhuma palavra.
      Ao lado direto, um casal de uns setenta anos terminava a refeição. Bebiam espumante. Quando ele terminou seu prato mudou de cadeira, sentou-se ao lado dela, passou a mão nas suas costas. Pediram um conhaque. Ele passava a mão nos seus cabelos enquanto ela contava alguma história engraçada. Ele ria.
      Desligaram-se das mesas ao redor. A música ao vivo era realmente boa. Eles trocaram um olhar. Os dois sabiam que estavam falando do cantor. Muito frequentemente não precisavam usar palavras para entenderem um ao outro. Ela decidiu pedir uma caipirinha, queriam ouvir mais um pouco a música. Quando terminou seu drinque o restaurante estava quase vazio. Pagaram. Voltaram para a pousada. Serviram um Bourbon para degustarem antes de dormir, encostaram-se um ao outro. Seus pés se tocaram, ela se arrepiou. Fizeram amor e dormiram abraçados. Conheciam-se a vinte e dois anos. Foram namorados na adolescência. Ficaram duas décadas sem notícias uma do outro. Um ano antes se reencontraram, ambos saindo de longos relacionamentos. Aos quarenta anos descobriam o real sentido da cumplicidade, do afeto, da sensualidade...
      No dia seguinte ela saiu do quarto antes dele. Viu dois rapazes saindo da pousada com as malas. Eram os mesmos da noite anterior, carregavam seus pertences como se pesassem toneladas e não trocavam palavra...
     É, o amor é sempre uma aposta. E não é para amadores, é preciso desadolescer como diz o escritor Sérgio Abranches .
Desadolescer não é para amadores.

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