Estavam no Brasil havia alguns dias e
resolveram conhecer um novo ponto turístico da moda. Ela brasileira, ele alemão
e o filho, o pequeno Caio de cinco anos nascido no Brasil e criado na Alemanha.
Foram os três
passear na mais nova atração carioca para turistas estrangeiros: o teleférico
que passa por cima do Complexo do Alemão.
Devo confessar que, como boa moradora do
Rio que sou nunca estive lá e nunca tive vontade ir. Mas minha irmã e seu
marido alemão resolveram levar meu pequeno sobrinho branquinho para ver como é o
terceiro mundo de verdade. Ponto para eles corajosos e idealistas. Eu estou
mais para medrosa e descrente.
Mas lá foram eles. Num lindo dia de sol
ver de perto o maravilhoso mundo da favela.
A estação estava quase vazia, só havia uma
mulher e um menino, negros, esperando o teleférico. Couberam todos no mesmo
cubículo suspenso. Sentaram-se.
Quando o teleférico começou a se mover
minha irmã se encantou e entristeceu com a vista. Dois sentimentos opostos
contidos num mesmo segundo da existência. Coisa comum entre os brasileiros,
afinal. Encantamento com a beleza, com o céu, com a cadeia de montanhas ao
fundo. Tristeza pelas milhares de vidas amontoadas naquele bairro sem
oportunidades, sem tratamento de esgoto, sem asfalto, sem esperança.
A mulher encostou a cabeça no vidro e
fechou os olhos, parecia cansada. As mãos cruzadas no colo. A roupa limpa e
desbotada.
As crianças de pronto entabularam uma conversa.
- Oi! Como é o seu nome?
- Caio, e o seu?
- Carlinho. Você tem quantos anos?
- Cinco.
- Eu também. Ano que vem vou pra escola.
A mulher abriu os olhos sem desencostar a
cabeça do vidro.
- Você ‘morra porr’ aqui?
Carlinho riu do sotaque do
outro menino.
- Você fala engraçado! De onde você é?
- Eu ‘morro’ na Alemanha.
O menino negro arregalou os olhos e abriu
um largo sorriso mostrando dentes bem branquinhos.
- E eu moro no Alemão!
Foi a resposta num tom muito orgulhoso. As
mulheres sorriram de fininho, o alemão tirava fotos da favela. A mulher voltou
a fechar os olhos. Caio bateu palmas.
Minha irmã me contou a cena e eu a escrevi porque achei bonita.
Meu
cunhado não entendeu a conversa.
A
mãe de Carlinho já esqueceu, ela adormeceu alguns segundos antes do teleférico
parar, mas foi a primeira a sair segurando seu filho pela mão. Minha irmã pediu
para tirar um retrato dos dois meninos, mas a mulher disse que estava com pressa,
não tinha tempo. Minha irmã se sentiu mal por ter pedido aquilo, se arrependeu.
Mas não havia mais o que fazer. Não há como apagar palavras ditas e escutadas.
É assim mesmo a vida.
Caio contou na sua escola alemã que tem um
amigo negro que mora no Alemão, lá ninguém sabe o que é favela e não há nenhum
negro na cidade do interior da Alemanha. Muitas crianças, aos cinco anos só
viram negros na tv. As professoras adoraram a história.
Do
Carlinho não sei, espero que esteja na escola. Mas o Caio, eu sei, não é o
mesmo de antes do Carlinho...