terça-feira, 21 de julho de 2015

Infâncias


     Estavam no Brasil havia alguns dias e resolveram conhecer um novo ponto turístico da moda. Ela brasileira, ele alemão e o filho, o pequeno Caio de cinco anos nascido no Brasil e criado na Alemanha.
     Foram os três passear na mais nova atração carioca para turistas estrangeiros: o teleférico que passa por cima do Complexo do Alemão.
     Devo confessar que, como boa moradora do Rio que sou nunca estive lá e nunca tive vontade ir. Mas minha irmã e seu marido alemão resolveram levar meu pequeno sobrinho branquinho para ver como é o terceiro mundo de verdade. Ponto para eles corajosos e idealistas. Eu estou mais para medrosa e descrente.
     Mas lá foram eles. Num lindo dia de sol ver de perto o maravilhoso mundo da favela.
     A estação estava quase vazia, só havia uma mulher e um menino, negros, esperando o teleférico. Couberam todos no mesmo cubículo suspenso. Sentaram-se.
     Quando o teleférico começou a se mover minha irmã se encantou e entristeceu com a vista. Dois sentimentos opostos contidos num mesmo segundo da existência. Coisa comum entre os brasileiros, afinal. Encantamento com a beleza, com o céu, com a cadeia de montanhas ao fundo. Tristeza pelas milhares de vidas amontoadas naquele bairro sem oportunidades, sem tratamento de esgoto, sem asfalto, sem esperança.
     A mulher encostou a cabeça no vidro e fechou os olhos, parecia cansada. As mãos cruzadas no colo. A roupa limpa e desbotada.
    As crianças de pronto entabularam uma conversa.
     - Oi! Como é o seu nome?
     - Caio, e o seu?
     - Carlinho. Você tem quantos anos?
     - Cinco.
     - Eu também. Ano que vem vou pra escola.
     A mulher abriu os olhos sem desencostar a cabeça do vidro.
     - Você ‘morra porr’ aqui?
     Carlinho riu do sotaque do outro menino.
     - Você fala engraçado! De onde você é?
     - Eu ‘morro’ na Alemanha.
     O menino negro arregalou os olhos e abriu um largo sorriso mostrando dentes bem branquinhos.
     - E eu moro no Alemão!
     Foi a resposta num tom muito orgulhoso. As mulheres sorriram de fininho, o alemão tirava fotos da favela. A mulher voltou a fechar os olhos. Caio bateu palmas.
     Minha irmã me contou a cena e eu a escrevi porque achei bonita.
      Meu cunhado não entendeu a conversa.
      A mãe de Carlinho já esqueceu, ela adormeceu alguns segundos antes do teleférico parar, mas foi a primeira a sair segurando seu filho pela mão. Minha irmã pediu para tirar um retrato dos dois meninos, mas a mulher disse que estava com pressa, não tinha tempo. Minha irmã se sentiu mal por ter pedido aquilo, se arrependeu. Mas não havia mais o que fazer. Não há como apagar palavras ditas e escutadas. É assim mesmo a vida.
      Caio contou na sua escola alemã que tem um amigo negro que mora no Alemão, lá ninguém sabe o que é favela e não há nenhum negro na cidade do interior da Alemanha. Muitas crianças, aos cinco anos só viram negros na tv. As professoras adoraram a história.

      Do Carlinho não sei, espero que esteja na escola. Mas o Caio, eu sei, não é o mesmo de antes do Carlinho...

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