sexta-feira, 20 de março de 2015

Divisão e paixão



     A cidade, no interior bem ao sul do Brasil, era dividida em três. Ninguém comentava, mas todo mundo sabia. Havia os lugares frequentados pelos alemães, os frequentados pelos italianos e os lugares, provavelmente mais animados, frequentados pelos negros. Ninguém questionava isso, pelo menos não naquela cidadezinha de pessoas sensatas que acabavam de passar por uma segunda grande guerra. 
    Mas o fato é que os alemães e italianos se detestavam mais até do que detestavam aos negros, isso era inegável. Havia além de tudo uma dessemelhança religiosa: católicos e protestantes, e os orixás no meio do atrito. Muitas famílias italianas falavam sua língua natal, e o mesmo acontecia com os alemães. As músicas e os hábitos alimentares eram diferentes. Nas casas dos italianos mesa farta, muita comida, pronta para receber quem mais aparecesse, conversas em voz alta. Nas casas alemãs comida certa, sem desperdícios, simplicidade, conversas comedidas.
    A diferença não era apenas nutricional, incontestavelmente. Alemães chamavam os italianos de esbanjadores exagerados, e esses chamavam aqueles de contidos e chatos.

     As três partes viviam em perfeita harmonia, desde que não se misturassem.

   Um dia aconteceu algo que desestabilizou suavemente aquele equilíbrio de tolerância tão bem consolidada: um alemão calvinista de olhos verdes se apaixonou perdidamente por uma linda italianinha católica.
       'Mas porque uma italiana, você só pode estar doido!! Com tantas moças alemãs de boa família disponíveis!' Diziam os amigos indignados. 'Isso é inaceitável, sempre foi desse jeito e não será agora que irá mudar'. Eram as palavras dos familiares.

    O fato é que cerca de trinta e cinco anos depois, ao pé do meu berço de recém nascida, minha avó italiana cantava para mim em alemão.

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