sábado, 7 de março de 2015

Ansiedade

   
    Ela entrou no restaurante, e foi ao buffet se servir. Pesou o prato e se sentou em uma mesa encostada à parede, próxima à janela. Abriu o celular e passeou pelo facebook sem muito interesse. Colocou os fones e começou a ouvir  Billie Holiday enquanto se preparava para a primeira garfada. Uma série de movimentos robóticos repetidos diariamente em seu horário de almoço. Ela escolhia esse restaurante pois sabia que não encontraria nenhum colega de trabalho.
     Mastigando uma alface meio sem gosto olhou pela janela e viu um rapaz passando na calçada. Alto, ombros largos, capacete de moto na mão, calça social e camisa branca. Usava óculos de aros grossos.
    'Óculos e roupa social indicam um cara inteligente, bem sucedido. Ombros largos, barriga nivelada, moto, certamente um esportista. Deve ler muito, provavelmente sabe cozinhar. Indubitavelmente solteiro. Gosta de filmes cult, aros grossos indicam isso: clássicos em preto e branco. A camisa branca indica uma pessoa não muito afeita a riscos, ele gosta de se sentir seguro.'
     O rapaz entrou no restaurante e, como todos os clientes, foi ao buffet se servir. Depois de pesar o prato caminhou para uma mesa e sentou-se de frente para ela.
     'Salada e carne, ele cuida da saúde. Deve correr três vezes por semana, ao ar livre certamente.  No final faz meia hora de alongamento ao sol. Cinto preto combinando com o sapato, ele é vaidoso. Adora ir ao shopping no sábado à tarde, especialmente em época de liquidação.'
     Ela mastigou um suculento pedaço de sua carne, muito vagarosamente, distraída que estava observando-o colocar o capacete sobre a cadeira que ficaria vazia. A camisa era suficientemente justa para mostrar o grande dorsal se contraindo enquanto ele se curvava com o capacete em uma das mãos. Ela sentiu o coração acelerar e respirou fundo engolindo o alimento.
      Ele tirou o celular do bolso e colocou-o em cima da mesa.
      Ela olhou disfarçadamente pela janela observando o dia  nublado lá fora.
     'Ele não deve morar aqui pela região, ou não precisaria vir de moto. Deve morar num pequeno apartamento muito bem decorado. Com uma linda cozinha e uma enorme cama de casal. Mas ele não leva mulheres para lá com muita frequência. Da janela uma linda vista, por trás das cortinas bege.'
        Ele se sentou sorrindo para ela.
     Ela não saberia dizer se sorriu de volta. Teve sim, um pequeno sobressalto, arrumou um fio de cabelo inexistente na testa e olhou pela janela.
       'Ele sonha em encontrar uma mulher para ter dois filhos e morar num sítio na serra.'  
     Então ele encheu o garfo de comida e levou a boca. Olhando para o celular  começou a mastigar, de boca aberta. 
     'Boca aberta? Como assim?'
    Em meio aquele movimento descoordenado, ela podia ver a dieta saudável sendo triturada e o amor da sua vida lentamente moído em meio a um bolo repulsivo.
   Então ela olhou em volta e reparou que pelo menos mais duas pessoas mastigavam daquela forma. Subitamente o mundo ficou em câmera lenta, ela só podia estar num universo paralelo. Então uma senhora que acabara seu prato limpou alguma reentrância de um dente com o mindinho e lambeu, seja lá o que havia naquele mindinho. Ela sentiu  gotas de suor brotando de sua testa e o batimento cardíaco acelerando.
     'O que é isso? Eu estava na matrix e agora tomei a pílula vermelha da realidade?'
    Ela suspirou e se levantou. Ao passar pelo rapaz em direção ao caixa sentiu um suave perfume.
    'Perfume barato de mau gosto.'
    Abriu a bolsa, pegou uma pílula branca da felicidade que descansaria reconfortantemente embaixo da língua.
   
    





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