domingo, 1 de março de 2015

Romantismo sem maquiagem


     O táxi parou no sinal vermelho. Já sabia que era um sinal daqueles muito demorados.
     Suspirei cansada e mal-humorada, imaginando como ficaria molhada ao sair do táxi na forte chuva cheia de malas. Tocava algo no rádio como 'danada vem que vem', uma música com uma batida óbvia e exasperante que só piorava ainda mais a situação.
      Olhei para o lado. Um casal numa vespa estava encharcado. Meu primeiro pensamento foi 'coitados'. A roupa dos dois colada ao corpo ensopado. Ela  tinha longos cabelos negros que iam até a cintura, pesados com a água da chuva. Estava na frente e fazia uma torção com o tronco tentando olhar para trás, dizendo alguma coisa e sorrindo. O rosto molhado. Ele sorriu de volta.
     Dois sorrisos no meio daquele aguaceiro, ao som das buzinas, tendo o engarrafamento como testemunha.
     Ele esticou o pescoço num movimento improvável tentando beija-la na boca. Não pude ver o beijo atrás dos capacetes, não sei se as bocas alcançaram seu objetivo. Devem ter esticado os lábios formando bicos para alcançar um ao outro, atrapalhados com a posição e impedidos pelos indesejados mas obrigatórios capacetes, se batendo.
     As cabeças voltaram aos lugares de origem: em cima dos pescoços. Os sorrisos ainda maiores, como a chuva que engrossava e escorria pelo vidro do táxi.
    O sinal abriu.
    A vespa andou e logo sumiu. 
    Subitamente eu estava surda para a música.
    E quando me dei conta, também sorria...



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