domingo, 24 de maio de 2015

Diário de bordo

Querido diário,

     No último dia de viagem, finalmente comecei a escrever em suas pálidas páginas, perdão por me demorar tanto.
      Já fizemos o check in para retornar à São Paulo. O voo está atrasado uma hora e quinze minutos e como chegamos cedo no aeroporto temos quatro horas até o embarque.
     Porque foi que chegamos tão cedo? Porque saímos correndo do hotel como dois assaltantes, depois do constrangido e silencioso café da manhã? As cadeiras vazias na mesa acomodavam nossa sensação de fracasso e frustração, e foi delas que fugimos afinal? Mas não foi dessas mesmas que nos evadimos quando saímos de São Paulo para Buenos Aires?
     Resolvi então pegar um táxi e ir a um museu. É muito bom quando o câmbio nos permite esse tipo de luxo. Com as malas despachadas, cartão de embarque na bolsa, a quinze minutos do aeroporto, estou sozinha sentada num café depois de ter como companhia Frida Kahlo, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral. Meu atencioso companheiro de viagem preferiu ficar lendo no aeroporto.
     De minha parte adorei Buenos Aires, mas estou com saudades de casa e até do trabalho.
    Acabou de chegar um café, uma água sem gás e dois pequenos bolinhos de chocolate que lembram brigadeiros. Nesses dias na Argentina, eu e Paulo nos tornamos cada vez melhores amigos e piores amantes. Não do ponto de vista do ato em si, este sempre foi satisfatório, mas dessa vez ele foi inexistente. Será que meu marido sempre foi assim: meigo, lento, preguiçoso, hipotônico? Ou foi mudando ao longo dos anos? Não me lembro.
     Quando chegar em casa terei de fazer dieta, sinto-me gorda e flácida. Tenho dores nas costas e câimbras nos pés a noite. Muita câimbra. Às vezes fico pensando se isso não seria o início de uma doença degenerativa. Se continuar assim daqui a pouco terei de dormir sentada (esses pensamentos devem ser uma consequência  esdrúxula da falta de sexo). Digo que me sinto gorda e flácida mas não estou realmente gorda, é mais uma sensação moral de ter passado dez dias comendo mais do que o necessário e sem nenhuma atividade física. 
     Eu penso em comida e sexo praticamente o tempo todo, sou uma pecadora em tempo integral. Gostaria muito de, aos 35 anos, fazer sexo uma vez por mês com meu marido e ser feliz assim. Não sou. Na verdade sou um buraco cheio de pedaços da minha autoestima destroçada. E hoje, me sinto gorda, flácida e culpada por tantos dias indisciplinados que não serviram para me reaproximar do meu marido. Me sinto culpada por ter comido demais, bebido demais, numa tentativa histérica de parecer alegre e agradável e talvez despertar algum desejo.  
   Tirar férias sempre me fez sentir uma orca, mas férias sem sexo me fez sentir uma orca encalhada.
  Querido diário, volto para o aeroporto agora, vou trabalhar um pouco enquanto aguardo o embarque. Tenho vários contratos para analisar. Quem sabe se trabalhando perco algumas calorias de culpa.

    Até a próxima...


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