domingo, 12 de abril de 2015

Perspectiva oscilante

 
     Hoje fiz minha primeira aula de stand up. Foi uma experiência impactante. Começar cambaleando, joelhos tremendo, com medo da prancha, do mar, e terminar em pé sobre as águas.
     Depois da primeira vacilante meia hora, em que eu não conseguia parar de tremer, meus olhos só miravam a prancha e eu ria um riso nervoso, uma moça passou por  mim e disse: 'rema contra as ondas que facilita'. Enormes ondas de dez centímetros diga-se de passagem. Funcionou. 
     Funcionou e eu pude olhar para frente, vi no horizonte do mar azul um cargueiro abarrotado de containers, do meu lado direito as pedras do forte de Copacabana, do lado esquerdo o Pão de Açúcar. Mais alguns minutos me entendendo com a instabilidade da prancha, consegui fazer a volta e ver a cidade que estava atrás de mim. Só nesse momento percebi que estava tendo uma manifestação e que era possível ouvir os gritos do carro de som. Até então eu estava surda apenas tentando permanecer de pé.
     Elevei um pouco mais os olhos e vi, subindo os morros por trás dos prédios um emaranhado de casas, sem reboco, com mínimas janelas, empilhadas umas sobre as outras. Comunidade ou favela, lá estava. Seus moradores provavelmente trabalhando nos bares abertos do bairro, nas barracas da praia, nas farmácias, nos mercados e em todo o comércio ao nível do mar que abria num domingo como muitos outros. Do meio desses bares e dos prédios do bairro não imaginamos que exista um universo paralelo por detrás da hipocrisia. Lá de longe, do meio do mar, me foi possível vislumbrar um ínfimo pedaço da contradição brasileira
  'Chega de comunismo.' Gritou o carro de som. 'Todos na cadeia!' 'Fora Dilma!' 'Abaixo a corrupção!' Hino Nacional. 
    Camisinha roxa na água, copo descartável boiando.
    'Olha a caipirinha!' Grita o ambulante lá da areia. Um manifestante 'vestido de Brasil' pede duas.
    'Vai pra Cuba.'
    Turistas branquelos. Bundas de fio dental. Caras pintadas de verde amarelo. Lixo na areia.

    'Patrícia acabou seu tempo.' Me diz o rapaz negro que trabalhava na barraca de stand up. 'Que pena! Agora que me entendi com a prancha!' 'Pode ficar mais, mas custa mais vinte' 'Mais vinte?'     
     Hino nacional. Helicóptero. Mar azul azul.  
    'Vou ficar mais'. Ok, ele responde, vira-se e sai remando.

    Sento na prancha. De costas para a cidade. 
    O cargueiro sumira.
    Céu azul azul. Muitas fragatas.
    Me jogo no mar. A água está fria. Afundo, afundo, meu pé não toca no chão. Daquela distância da margem o mar é profundo.
     E o Brasil festivamente superficial.







  
   

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