sábado, 25 de abril de 2015

Amor

  Ela encontrou o amor. Desculpe, mas aconteceu. E ele é real: o que se pode fazer? O improvável encontro entre dois indivíduos, ranzinzas, chatos, impacientes, inquietos ocorreu de forma avassaladora e definitiva. Me desculpem os que não  acreditam no amor. Mas o fato é que aconteceu. 
    Ela estava sentada num café, uma xícara e um livro. Suas companhias preferidas, até o advento dele.
     Ouviu o ruído da porta abrindo e elevou os olhos por um breve instante. Ele entrou.
    Se reconheceram imediatamente.
   Não foi um reconhecimento exotérico. Estavam vinte e três anos sem se ver, mas se conheciam de uma época de imatura e inocente rebeldia.
   Ele caminhou na direção dela. Sorrisos. Cumprimentos. Conversa. Afinidades céticas. Diferenças evidentes.
    Marcaram um jantar. Vinho. Conversas. Novas afinidades. Mais diferenças. Cama. Orgasmo. 
    - Quero repetir.
    - Eu também.
    - Mas não quero me envolver.
    - Nem eu.
    - Ótimo. Amigos com benefícios?
    - Combinado.    
    Outros jantares. Cama. Orgasmos.
     (Tentaram outras pessoas, na hercúlea tarefa de não se envolverem. Colegas de trabalho, orgasmos insatisfatórios, chatos.)
     Cinema. Passeio pela orla. Cama. Dormir abraçado.
     Café da manhã. Caminhar de mãos dadas.
      Mãos dadas!
     - Oque significa isso de caminhar de mãos dadas?
     Ela disse exasperada.
     - Só que eu quis segurar a sua mão.
     - Não não, caminhar de mão dadas é coisa séria.
     - Então tá, se você não quer não seguro mais.
   Mais jantares. Cama. Dormir abraçado. Café da manhã. Sorrisos. Risos. Conversas, muitas conversas. Uma briga, uma reconciliação.
      - Estou apaixonada por você!
     Silêncio.
     Três dias sem se ver e sem se falar.
     Ela teve certeza de que o havia perdido. Precipitara-se. Já era. 
     Campainha. Coração acelerado, borboletas no estômago.
     Com um buquê rosas na mão: 'quer namorar comigo?'

     Isso foi a 35 anos. Eles nunca tiveram filhos. Se amaram todos os dias mesmo quando se xingaram.
     Ela encontrou o amor. Um amor que não exige perfeição, apenas atenção. Um amor feito de erros e acertos, onde cada um admite a sua parte em ambos, sem esconder os próprios enganos mas sem humildade. Um amor feito de reforço positivo. Pronto para expressar a mais dolorida das mágoas de maneira cuidadosa, e escutar sem julgamentos.
     Eles se encontraram e é real. Não há mistérios, só honestidade, respeito e admiração. 
   Não existe vida sem percalços, tristezas e desencantos, mas cada um desses foi mais fácil por terem um ao outro. Choraram juntos muitas vezes, mas riram outras tantas.
    E seguem juntos, construindo uma história nova. Em detrimento do que se supõe, seguem, enaltecendo um ao outro, após 35 anos. O amor é simples, não precisa de tantos mandamentos, de tanta invenção, de tantos clichês. Basta um abraço apertado, um elogio, um tom de voz, um pedido de desculpa.
      O amor aconteceu com eles. E é real.

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